Natalia Vaz, a múltipla artista que dá vida aos troféus da MOSCA
Quem vê a artista Natalia Vaz assim imagina logo que ela (1) está mais do que protegida em tempos de pandemia e (2) que faz arte como quem se lança numa guerrilha em um campo de gases tóxicos.
As duas opções certamente poderiam definir essa foto. Embora essa máscara não sirva propriamente para protegê-la de COVID nem de uma guerra química, ela é uma artista de guerrilha que se insere nesse contexto de 13ª Mosca Online como protagonista na elaboração dos belíssimos troféus que premiaram os vencedores do júri popular.
Pedimos licença a Nat (a intimidade permite o apelido, já que é a quinta vez que ela participa da MOSCA) para que ela retirasse os equipamentos de proteção e revelasse, por detrás de tanto aparato, quem é essa artista que, com tanta engenhosidade, constrói mundos em miniatura, dá vida ao que é inorgânico pela técnica do stop motion e, neste ano, materializa as janelas da identidade visual concebida pelo incrível trabalho do artista Mateus Rios.
Confira abaixo a deliciosa entrevista que fizemos com a múltipla criadora Natalia Vaz.
“Esse ano ele foi pros recortes: saiu do desenho, foi pro volumétrico. Olhei as janelas, juntei o volume e na hora pensei: troféu pop-up!” (Natalia Vaz)
MOSCA: Como surgiu sua parceria com a MOSCA?
NATALIA: Eu conheci a Ananda por um amigo em comum, na época eu já trabalhava com cenografia e animação stop-motion. Aí ela me convidou pra fazer uma oficina de animação stop-motion para crianças, na Mosca 8. Foi a primeira vez que fui pra Cambuquira e me apaixonei para sempre... No ano seguinte, ela me convidou para fazer os troféus e, desde então, eu faço todo ano. Já dei oficina de dedoches e foi demais.
M: Como foi o processo de criação dos troféus de premiação?
N: Cada troféu é de um jeito. Eles sempre vêm a partir da criação do Mateus, então cada ano é uma proposta diferente. Todas as vezes aconteceu da mesma forma: eu olho o cartaz do ano e na hora me pipoca uma ideia na cabeça e é ela que eu sigo. Os cartazes são muito inspiradores! Aí para cada proposta eu uso uma técnica diferente, cada visual pede um material diferente, uma linguagem. Esse ano ele foi pros recortes: saiu do desenho, foi pro volumétrico. Olhei as janelas, juntei o volume e na hora pensei: troféu pop-up!
M: Sobre sua produção artística como um todo, o que te instiga a criar? Quais técnicas usa?
N: O meu trabalho é coletivo desde sempre. Eu sou cenógrafa na maioria do tempo, então eu me dou muito bem com essa ideia de cruzar ideias e de contar histórias. Cada coisa que faço carrega em si uma pequena história. Praticamente todas as coisas me inspiram. Com relação às técnicas, uso todas que posso! Marcenaria, pintura, escultura, modelagem/moldagem, costura, desenho, recortes, soldas... trabalho com todos os tipos de materiais, todos a que tenho acesso e capacidade de lidar.
M: Quais são suas referências artísticas? O que você gosta de consumir?
N: A minha maior referência é a natureza. Para mim, não existe maior escola de composição, forma e combinação de cores. Para esse ano de pandemia, com tanta tristeza e travessias profundas, a minha dica é olhar o céu, as plantas, a água e o fogo. Mas para fingir que sou mais inserida na sociedade, rs, descobri há alguns anos uma biblioteca virtual que leva o nome do Curt Nimuendaju, a pessoa que mais descreveu os povos originários brasileiros, um alemão - essa grande ironia da nossa história. Estou lendo "A lenda da criação e da destruição do mundo", dele mesmo. As crianças também são, para mim, uma gigante fonte de inspiração. Criança é poesia na prática, poesia vivida. Só as crianças são livres. A música feita pelos negros também é uma grande mestra para mim, principalmente a brasileira. A arte que vem da rua é essencial para mim também. E mais um monte de coisa que todo mundo gosta e já sabe, o cinema, o teatro físico/de bonecos europeus, o Japão, as grandes produtoras de animações stop-motion, a alta-costura, as artes plásticas, milhões de coisas...
M: Como você vê o papel do artista hoje, pensando na sua experiência com a MOSCA e pensando um contexto sociopolítico mais abrangente?
N: Eu acredito que a arte serve para salvar a vida do artista. Aí por inspiração em verdade ela transforma quem entra em contato com ela. Mas eu sou muito contra toda a glamourização que existe em torno dos artistas, então tenho achado meio pouco só fazer arte. A Mosca é um exemplo muito maravilhoso de como podemos fazer algo pela comunidade em que estamos inseridos através da arte. Acho que os circuitos elitizados de arte apequenam a sua essência, e infelizmente vejo muita arte sem verdade. Acho o artista um grande privilegiado porque sensível e capaz de utilizar ferramentas que transformam, primeiramente, seus próprios sentimentos e mazelas. Então quando vejo a arte acomodada em "carões", em conceitos, em mercados, sinto que não entendemos o recado. Quando somos levianos, sinto que estamos fracassando. Eu me alimento muito de arte, vivo dela inclusive, mas não acho que ela seja mais importante do que as outras coisas da vida. Aliás, eu sou mãe, e com certeza acho que cuidar de alguém para além da sua vontade individual é sim o que de fato nos faz humanos e evoluídos, mais do que fazer um belo quadro, ou uma bela poesia. Eu encontrei na escola pública a grande arena de atuação política da minha capacidade artística, mas respeito a trajetória de cada um, não me interessam os julgamentos individuais, só a reflexão sobre as coisas mesmo!
“nesse ano a maria não vai poder comer oitocentas jabuticabas de uma vez só, como fez quando estávamos lá em cambuquira porque a mostra será toda online, mas o carinho é o mesmo. essa é a quinta edição que participo, sempre inspirada pelo lindo trabalho do @mateusrios e da @anandaguimaraes e eu poderia fazer isso pra sempre!”
M: Por fim, onde encontramos mais obras da artista Natalia Vaz?
N: Eu tenho colocado meus trabalhos no Instagram. Confesso que não sou tão boa na auto divulgação, rs, mas estou tentando melhorar nisso! @nataliaavaz é a página, tem uma pequena parcela do que já fiz nesses quinze anos de trajetória profissional, muita coisa não foi registrada e postada, mas dá pra ter uma ideia do meu trabalho e eu estou mantendo ela atualizada, no meu tempo que definitivamente não é o tempo das redes...