14ª MOSCA exibiu 119 curtas em 2021, em sua segunda edição online
Caminhos possíveis
Num texto fluido e saboroso, publicado em 2004 a propósito de Kiarostami, Jean-Claude Bernardet cita uma outra forma de encarar o mundo. Diferente das histórias com começo e fim, narrativas nas quais os elementos seguem uma trajetória determinada, o catálogo ou o banco de dados surgem para representar o mundo "como uma lista de itens, recusando-se a ordená-la". Eles recusam a pretensão de criar uma "trajetória de causa e efeito entre elementos (entre fatos) aparentemente desordenados".
Pela segunda vez, apresentamos uma MOSCA totalmente online. Pela primeira vez, no entanto, experimentamos um formato novo para nós. Se, até 2020, os filmes estavam agrupados em sessões, desta vez nos inspiramos nas palavras de Bernardet (na verdade ele cita o texto "Database as a symbolic form" de Lev Manovich) para apresentar os filmes como "itens isolados", em que cada um "tem o mesmo significado de qualquer outro".
Continuam os recortes, as mostras Brasil, Infantil, Internacional, Jovem, Meia-Noite e Mineira. Mas os curtas-metragens deixam de integrar um desenho proposto por nós. Eles ficam disponíveis simultaneamente por toda a mostra, sem sessões de abertura ou encerramento. Assim, coexistem com a mesma importância, ainda que isolados — como todos nós ao longo da pandemia. Como nessa identidade visual criada mais uma vez por Mateus Rios, cada filme se revela como algo único, de contorno e vibrações próprias.
O convite que fazemos ao público é o de criar os próprios caminhos de apreciação da 14ª MOSCA. O de ligar os pontos, da forma ainda possível (o online), mas também livre e subjetiva, construindo o desenho que se quiser, sua constelação particular (pegando carona num termo do curador Leno Veras), e perceber que os filmes, dispostos de maneira independente, são capazes no entanto de revelar novas cores. De alguma forma, eles se tocam e se contaminam – na melhor acepção do termo –, sem perder seus contornos, sem perder sua integridade.
Cada curta, como cada pessoa, importa. Como seres com vida própria, o conjunto que oferecemos vibra, repleto de energia, e parece que tende cada vez mais ao centro, com vontade de se aglutinar. Esse organismo, que não começa nem termina do jeito como estamos acostumados, traz o desejo secreto, provisoriamente impossível, de que nunca tenha fim.
Essa celebração vital, composta por 119 filmes, não se completaria sem a evocação do nosso percurso até aqui, dos 1.047 curtas exibidos pelas edições da MOSCA, e a memória de um em especial: Maria Roxinha — ofício e arte das rezadeiras, no qual a pesquisadora Vanessa Manes acompanha uma das figuras mais emblemáticas de Cambuquira, nossa cidade de origem.
Este ano, Vanessa e Dona Maria Roxinha se encantaram. Por terem marcado e transformado a história de Cambuquira e da mostra, por terem iluminado nosso trabalho de modo especial na cerimônia de premiação de 2017, lembrada com carinho até hoje, é que a 14ª MOSCA é dedicada a elas.
Ananda Guimarães e André Bomfim
14ª MOSCA Mostra Audiovisual de Cambuquira, edição online
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